Os dados são obtidos dos sistemas SINAN e BIPUBLICO e apontam a importância de medidas de prevenção e apoio psicológico para a comunidade.
O suicídio é um dos maiores desafios de saúde pública do Brasil e do mundo. Embora seja um tema delicado e muitas vezes ignorado, o impacto das mortes por suicídio na sociedade é profundo, afetando não apenas os indivíduos diretamente envolvidos, mas também suas famílias, amigos e a comunidade como um todo.
O município de Torres/RS é um exemplo claro de como essa realidade precisa ser enfrentada com urgência, sem esperar pela conscientização que surge apenas no mês de setembro, quando se realiza a campanha Setembro Amarelo.
Os dados coletados entre os anos de 2022 e 2024, por meio da base do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), revelam um cenário alarmante em Torres. Durante esse período, 636 notificações de violência interpessoal e autoprovocada foram registradas no município, englobando tanto moradores quanto não moradores que buscaram atendimento na Rede de Atenção à Saúde local.
Desses casos, 250 ocorreram em 2023, o que demonstra um aumento de quase 20% em relação ao ano anterior. Esses números indicam que, embora a violência física continue a ser uma preocupação premente, as formas de violência autoprovocada, incluindo suicídios e tentativas de suicídio, exigem uma atenção urgente.
NÚMEROS QUE IMPRESSIONAM
Entre 2022 e 2024, Torres registrou 36 suicídios, com 33 dessas vítimas sendo residentes do município. Isso representa uma taxa de suicídio de 23,11 casos para cada 100.000 habitantes, número significativamente maior que a capital do Estado, Porto Alegre, que é de 8,5 para cada 100.000 habitantes. Em termos comparativos, a taxa de suicídios no estado do Rio Grande do Sul gira em torno de 14,5 para cada 100.000 habitantes, o que torna a realidade de Torres ainda mais alarmante.
Se considerarmos também as tentativas de suicídio, o número é ainda mais grave. Em 2024, a taxa de tentativas de suicídio em Torres subiu para 110,94 casos por 100.000 habitantes, refletindo um grande número de pessoas que estão sendo atingidas por crises psicológicas intensas e que, muitas vezes, não encontram apoio suficiente para superar seus desafios emocionais. Dentre essas tentativas, 53 foram relacionadas à ingestão de medicamentos, sendo 29 casos (76,32%) de tentativas de suicídio. O aumento de tentativas de suicídio por meio da ingestão de medicamentos é um reflexo de uma realidade mais ampla de desespero e sofrimento emocional.
A VIOLÊNCIA AUTOPROVOCADA

Segundo o coordenado com o responsável pelo Serviço de Epidemiologia Municipal de Torres, Renan Emerin, a violência autoprovocada é uma das formas mais trágicas de violência que uma pessoa pode enfrentar, e é também uma das mais difíceis de identificar, pois muitos dos sinais podem ar despercebidos.
No caso de Torres, a violência autoprovocada, que inclui suicídios e tentativas de suicídio, é um dos tipos de violência mais prevalentes, com uma taxa alarmante de 97,07 por 100.000 habitantes. Este número é muito superior ao registrado em cidades vizinhas, como Arroio do Sal, Capão da Canoa, Dom Pedro de Alcântara, Itati, Mampituba, Maquine, Morrinhos do Sul, Terra de Areia, Três Cachoeiras, Três Forquilhas e Xangri-lá (Belas Praias) e na região da 18ª Coordenadoria Regional de Saúde, que engloba os 24 municípios do Litoral Norte gaúcho, e traz à tona uma realidade que não pode ser ignorada. Ao longo dos três anos analisados, a cidade de Torres experimentou uma média de 12 suicídios por ano, com destaque para o aumento nas tentativas no ano de 2024.
Os dados que constam em Informativo Epidemiológico da Vigilância Epidemiológica de Torres, o qual o Jornal do Mar teve o, também mostram que a maior parte das vítimas de suicídio e tentativas de suicídio são pessoas em idade economicamente ativa. A faixa etária de 40 a 49 anos apresenta o maior índice de casos, com mais de 70% dos casos registrados em indivíduos entre 20 e 59 anos. Isso reflete um cenário em que adultos estão enfrentando pressões profissionais, familiares e pessoais intensas, o que pode aumentar a vulnerabilidade a comportamentos autodestrutivos.
O número de suicídios e tentativas de suicídio entre idosos e adolescentes também é significativo. Os dados apontam que tanto idosos quanto adolescentes possuem uma tendência maior a cometer suicídio nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, o que pode estar relacionado a diversos fatores, como o isolamento social e a dificuldade em lidar com questões emocionais durante as festas de fim de ano ou férias escolares.
O IMPACTO DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE MENTAL
O impacto da violência, especialmente a autoprovocada, é devastador para a saúde mental dos indivíduos. Torres apresenta também uma taxa alarmante de internações por depressão, com 130,3 internações por 100.000 habitantes, bem acima da média de Porto Alegre (52,3) e do estado (82,8). A depressão é um dos principais fatores de risco para o suicídio, e a sua crescente prevalência na cidade exige que a sociedade esteja mais atenta aos sinais de sofrimento psicológico. Não basta identificar apenas as tentativas de suicídio; é necessário compreender o contexto emocional e social que leva uma pessoa a chegar a esse ponto.
A violência sexual também é um problema crescente em Torres, com uma taxa de 34,67 por 100.000 habitantes em 2024. Embora a violência sexual não seja diretamente ligada ao suicídio, ela certamente é um fator que contribui para o sofrimento psicológico, com sérias consequências para a saúde mental das vítimas.
NA PREVENÇÃO DO SUICÍDIO
No Brasil, o suicídio ainda é um tema cercado por tabus e desinformação. Nesse contexto, a mídia desempenha um papel fundamental na desmistificação do assunto, ajudando a combater estigmas e promover a conscientização.
Não podemos limitar essa discussão ao Setembro Amarelo. O suicídio é uma realidade diária que afeta milhões de pessoas em todo o mundo e, como sociedade, precisamos tratá-lo com a seriedade e a constância que o tema exige. Se não enfrentarmos essa questão de forma contínua e estruturada, vidas continuarão sendo perdidas.
Recentemente, o governo municipal de Torres abordou essa temática em seu perfil no Instagram (@prefeituratorres). Nos comentários da publicação, o seguidor Alexandre Teles compartilhou sua experiência como psicanalista em Torres, destacando como a sazonalidade do turismo influencia o bem-estar dos moradores. Segundo ele, a cidade, que recebe um grande fluxo de visitantes no verão, enfrenta um período de vazio durante o inverno, o que pode contribuir para quadros depressivos. Em lugares como Fernando de Noronha, há até um termo para esse fenômeno: “Neuronha”. Esse é um aspecto relevante a ser debatido, pois a dinâmica econômica e social da cidade pode impactar diretamente a saúde mental da população.
A profissional da área da saúde mental, Laura S. da Rosa, também comentou sobre o tema, reforçando a importância de tornar esses dados públicos. Para ela, cuidar da saúde mental vai além do o a psicólogos e psiquiatras; é necessário investir na capacitação de profissionais de diversas áreas, como educação, assistência social, segurança e empresas. Laura destacou que a cultura local ainda não incentiva uma atenção adequada à saúde mental dos trabalhadores, e que os índices de transtornos psicológicos entre profissionais têm crescido em todo o país. Segundo ela, medidas como o incentivo às empresas para oferecer e psicológico e a capacitação de líderes escolares para identificar sinais de risco são essenciais. A Norma Regulamentadora NR-1, por exemplo, já exige ações voltadas à saúde mental no ambiente de trabalho, o que pode ser um caminho para avanços nessa área.
ONDE BUSCAR AJUDA?

Em Torres, o município oferece e por meio do Centro de Atendimento Psicossocial CAPS-RENASCER, localizado na Av. do Riacho, 980, no Centro, com o telefone (51) 99924-5733.
De acordo com Bruno Raupp, coordenador do CAPS Renascer, qualquer área da saúde do município pode auxiliar pessoas que estejam com pensamentos relacionados à morte ou que conheçam alguém ando por isso. “Em momentos de dificuldade, é importante saber como e quando buscar o apoio adequado. Reforçamos que, sempre que esses pensamentos surgirem, é essencial procurar ajuda. Para um atendimento mais ágil, entender o funcionamento dos serviços de saúde pode ser útil”, explica Bruno.
Todos os ESF’s (postos de saúde) de Torres contam com equipes de psicólogos, enfermeiros, médicos e agentes de saúde prontos para oferecer e. Se os pensamentos estiverem interferindo em sua vida, mas não impedirem suas atividades cotidianas, os profissionais de saúde podem ajudar. No entanto, segundo Bruno, em casos mais graves, onde os pensamentos são constantes, às vezes acompanhados de comorbidades como psicoses, depressão, transtornos de personalidade, ansiedade ou uso de substâncias, e em contextos de risco social e familiar, o CAPS é a melhor opção. O serviço funciona das 8h às 21h e está disponível para receber quem precisa a qualquer momento, oferecendo atendimento multiprofissional, com e médico, terapêutico e de reintegração social, por meio de oficinas.
Em situações de crise, como psicose, ansiedade extrema, raiva, ou ideação suicida com planejamento, o Pronto Atendimento funciona 24 horas por dia. O objetivo é acolher e oferecer atendimento médico imediato para ajudar a conter a crise.
Além disso, se você precisar de apoio emocional, pode ligar para o CVV (Centro de Valorização da Vida) pelo número 188. Eles oferecem apoio gratuito e sigiloso, 24 horas por dia.