É um desejo. Mas ainda objeto de desejo. Também de esperanças. Ainda não uma realidade.
É comum ouvirmos o discurso de que o sofrimento é uma oportunidade para nos tornarmos melhores. Mais fortes. Também não faltam exemplos. Aqueles momentos de crise, em que perdemos as tábuas de sustentação, são momentos que abalam a normalidade. Exigem novas posturas. Forjam recomeços.
E mais uma vez fico a imaginar a situação de quem perdeu vidas ou vive o luto de ter perdido casa e aqueles bens indispensáveis para uma vida digna. É preciso recuperar a força para recomeçar. Para quem não perdeu, a crise do outro também mexeu. Provocou gestos de empatia. Choramos juntos e nos movemos em atitudes de solidariedade. Abrimos nossas mãos para partilhar. Alguns entregaram também sua força de resgate com barcos, jet-ski, helicópteros. Atos de heroísmo e acolhida.
ado o impacto dos primeiros dias, gora o tempo parece bater à porta e exigir que voltemos à normalidade. As águas vão baixar. A lama e o lixo precisam ser varridos. Os estragos recuperados. Os diques e as bombas consertados. As atenções redobradas.
E nós, ficaremos melhores?
Temo que não. E gostaria de estar errado. No entanto alguns sinais riscam caminhos.
Muitos na área das ciências sociais e humanas construíram análises apontando a pandemia como uma fronteira de épocas. A humanidade ingressaria numa nova era onde estaríamos revendo conceitos e práticas de vida. ados alguns anos do fim da reclusão, os mesmos analistas apontam uma volta à normalidade apesar das cicatrizes. Mudamos alguns hábitos, mas não a essência do que nos tornamos enquanto sociedade global. Estamos envoltos em novas e mais gritantes guerras. Aceleramos polarizações que nos afastam em ambientes que antes eram espaços de confraternização como família e grupos de amizades. O novo normal acelerou atitudes de ódio. No Brasil, foram quase 800 mil mortes, questionadas em versões de Fake News. Não nos tornamos “mais humanos”. Aceleramos também a exploração – entenda-se agressão, ao ambiente natural.
Agora lamentamos juntos quase 800 mil desalojados e desabrigados. Temos uma enchente de solidariedade. E também uma chuva de fake News.
Ficaremos melhores?
O tempo se abre mais uma vez como complexa oportunidade.