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Gravidez na adolescência e aumento de ISTs entre jovens ligam sinal de alerta em Torres

por Melissa Maciel

Com taxa crescente de gestantes entre 15 e 19 anos, município de Torres enfrenta alerta de saúde pública; prevenção, educação e acolhimento são caminhos para reverter o cenário.

Em Torres 43 nascidos no ano ado eram filhos de mães entre 10 e 19 anos | Freepik

A gravidez na adolescência é um tema que, há décadas, mobiliza profissionais de saúde, gestores públicos e famílias em todo o Brasil. Em Torres, no Litoral Norte gaúcho, os dados mais recentes do Informe Epidemiológico de 2024 revelam que o município não está imune a essa realidade: 43 nascidos no ano ado eram filhos de mães entre 10 e 19 anos. Isso representa uma taxa de 17 adolescentes grávidas a cada mil jovens dessa faixa etária. Quando se considera apenas adolescentes de 15 a 19 anos, o número sobe para 34 gestantes por mil, se aproximando da média mundial estimada pela OPAS/OMS (46 por mil) e da taxa latino-americana (65,5 por mil).

Além do impacto emocional, físico e social na vida das adolescentes, a gestação precoce também aumenta consideravelmente os riscos para os recém-nascidos. Mais da metade das crianças nascidas em Torres em 2024 foram classificadas como de risco apenas pelo fator idade materna: 43% das mães tinham 35 anos ou mais (gravidez considerada tardia) e outras eram menores de 19 anos.

SEXUALIZAÇÃO PRECOCE

A ginecologista e obstetra Wilma Mendonça, que atua há quase duas décadas em Torres e região, compartilhou suas percepções sobre o fenômeno. Para além dos números da gravidez na adolescência, Dra. Wilma chama atenção para um fenômeno mais amplo e silencioso: a crescente sexualização precoce entre meninos e meninas. Em sua prática clínica, ela tem observado jovens cada vez mais novos iniciando a vida sexual, o que, segundo ela, não se restringe a uma questão biológica, mas também social e cultural.

“Observo que adolescentes de 12, 13 anos, tanto meninas quanto meninos, já demonstram comportamentos ligados à sexualidade antes mesmo de entenderem o que isso significa. O estímulo vem de todos os lados: redes sociais, influenciadores, conteúdos hipersexualizados, roupas, maquiagem. Tudo isso impacta diretamente na forma como os jovens se percebem e se colocam no mundo”, relata a médica.

Segundo ela, embora a puberdade ainda ocorra dentro da faixa considerada normal, entre 11 e 13 anos, os estímulos externos têm antecipado a vivência sexual, especialmente nas grandes plataformas digitais. “Tem menina de 11 anos se maquiando como mulher adulta. Isso não é saudável. Estamos pulando etapas do desenvolvimento”, alerta.

Dra. Wilma destaca que o problema atravessa todas as classes sociais e que a falta de diálogo dentro das famílias, aliada à ausência de uma educação sexual estruturada nas escolas, favorece a desinformação.

Além disso, fatores como alimentação inadequada, sedentarismo e exposição precoce a cosméticos e hormônios ambientais também contribuem para alterações hormonais e comportamentais. “O excesso de fast food, a obesidade infantil e o uso de maquiagens com substâncias químicas em crianças pequenas podem interferir nos processos naturais do corpo. Isso acelera transformações físicas que, muitas vezes, não são acompanhadas por maturidade emocional”, explica.

A médica defende que combater a sexualização precoce é uma responsabilidade coletiva. “Pais, educadores e profissionais da saúde precisam estar atentos, abrir espaço para conversas honestas e orientar com linguagem ível. Não podemos mais fingir que isso é um problema distante. Está acontecendo agora, e com nossos filhos.”

RECÉM-NASCIDOS EM RISCO

Mais da metade das crianças nascidas em Torres em 2024 foram classificadas como de risco apenas pelo fator idade materna | Foto: Freepik

Segundo critérios do Ministério da Saúde, um recém-nascido de risco é aquele que se enquadra em situações que aumentam a chance de morbidade e mortalidade. Em Torres, diversos fatores agravam esse cenário: gestações iniciadas tardiamente, número insuficiente de consultas pré-natal, mães com baixa escolaridade e idade crítica, muito jovens ou acima dos 35 anos.

Em 2024, observou-se melhora nos registros de pré-natal: aumento de 18% no número de gestantes com sete ou mais consultas e redução de 33% nas que fizeram apenas seis. Apesar disso, três gestantes sequer realizaram uma única consulta. A ausência de acompanhamento médico adequado compromete o diagnóstico precoce de doenças como diabetes gestacional e pré-eclâmpsia.

A maioria dos partos (87,64%) ocorreu entre 38 e 41 semanas, o que indica que houve tempo gestacional suficiente para o acompanhamento adequado. Ainda assim, o risco permanece alto: 2,83% das gestações em Torres foram gemelares, e a combinação de fatores pode estar relacionada à taxa de mortalidade infantil, que chegou a 9,73 óbitos por mil nascidos vivos — bem acima das médias de países desenvolvidos.

OLHAR CLÍNICO

“Início precoce da vida sexual entre adolescentes não é só questão biológica, mas também de pressões sociais e culturais”, afirma médica | Foto: Freepik

Dra. Wilma ressaltou que o início precoce da vida sexual, aliado à desinformação, está entre os principais fatores que impulsionam a gravidez na adolescência.

“Já atendi diversas pacientes iniciando pré-natal com menos de 14 anos. Muitas dessas meninas não sabem usar corretamente métodos contraceptivos, se informam pelas redes sociais ou diretamente com balconistas de farmácia. Ainda temos um grande caminho a percorrer na educação sexual preventiva”, alertou.

Dra. Wilma reforça que o problema é mais visível nos atendimentos em unidades de saúde pública. “Na rede privada, o dado não é tão forte, mas isso não significa que não exista. Há uma diferença importante no perfil socioeconômico das pacientes. Isso mostra que o o à informação de qualidade ainda é desigual”, disse.

A médica também destaca o trabalho de educação que realiza há anos com escolas em Praia Grande/SC, cidade vizinha: “Duas vezes por ano participava de palestras para adolescentes. Levava todos os métodos anticoncepcionais, explicando como usar. É um momento de escuta e orientação. Mas ainda é pouco. Precisamos abordar esse público antes mesmo de iniciarem a vida sexual.”

SÍFILIS E OUTRAS ISTS ENTRE OS JOVENS

Desinformação, início precoce da vida sexual e pouca prevenção aumentam casos dessas doenças entre jovens | Foto: Freepik

Além da gravidez precoce, o Informe Epidemiológico de Torres aponta para um aumento na incidência de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), como a Sífilis, especialmente entre os adolescentes. A combinação entre desinformação, início precoce da vida sexual e baixa adesão aos métodos preventivos favorece o avanço dessas doenças entre os jovens.

Para Dra. Wilma, o enfrentamento desse cenário a por ações integradas: “A educação sexual deve ser preventiva, contínua e presente nos espaços onde os adolescentes estão: escolas, comunidades, unidades de saúde. Precisamos chegar antes. Não adianta falar de anticoncepcional depois que a menina já engravidou.”

PROGRAMAS DE PREVENÇÃO

De acordo com o responsável pelo Serviço de Epidemiologia de Torres, Renan Emerim, o município é considerado prioritário para a implantação de programas como o Programa Saúde na Escola (PSE) e o estadual Geração Consciente. Esses programas buscam promover ações educativas com foco em saúde sexual e reprodutiva, prevenção de ISTs, violência e bem-estar emocional.

“O encontro entre PSE e Geração Consciente representa uma oportunidade para potencializar os resultados. Essa integração permite unir esforços das redes de saúde e educação, promovendo debates essenciais sobre direitos sexuais, prevenção de vulnerabilidades e desenvolvimento pessoal” explica o profissional. Para isso, é fundamental a adesão das escolas, o engajamento de profissionais e a parceria com universidades e outras secretarias municipais.

INDICADORES PREOCUPANTES

Em 2022, a taxa de mortalidade infantil (menores de 1 ano) em Torres foi de 17,4 óbitos a cada mil nascidos vivos — mais que o dobro da registrada em Porto Alegre (7,7) e significativamente acima da média estadual, de 10,5. Em 2023, o índice em Torres caiu para 13,23% e, em 2024, para 9,66%. Apesar da tendência de queda, o indicador ainda permanece elevado.

Outro dado preocupante diz respeito às infecções por sífilis em gestantes: em 2024, 8,77% das gestantes residentes em Torres foram diagnosticadas com a doença. As taxas são ainda mais altas entre as mais jovens — 16,67% das adolescentes entre 15 e 19 anos e 13,55% das mulheres entre 20 e 24 anos receberam o diagnóstico.

ALÉM DA SAÚDE PÚBLICA

A gravidez precoce é, acima de tudo, uma questão de direitos. Quando uma menina de 12 ou 13 anos engravida, há um processo de interrupção de ciclos naturais da adolescência: estudo, lazer, autonomia. É também um desafio para a sociedade garantir que essa jovem mãe — e seu filho — não fiquem à margem dos serviços públicos, da educação e da saúde.

Como afirma a Dra. Wilma, a orientação precisa chegar antes: “Não basta distribuir anticoncepcional. É preciso escutar, orientar, acolher. Trabalhar com as famílias, com os meninos também, porque a responsabilidade não é só das meninas. É um trabalho de todos, da comunidade, das escolas, dos profissionais.”

PREVENIR PARA TRANSFORMAR

O desafio de reduzir a gravidez na adolescência em Torres a pela atuação coordenada de diferentes frentes: saúde, educação, família e sociedade. A melhora nos índices de pré-natal e a presença de programas estratégicos são bons sinais, mas ainda há muito a ser feito.

Enquanto meninas continuam iniciando sua vida sexual sem orientação adequada, a vulnerabilidade persiste. É necessário romper o ciclo de desinformação e oferecer, desde cedo, ferramentas para que adolescentes possam tomar decisões conscientes.

Reduzir a gravidez na adolescência em Torres a pela atuação coordenada de diferentes frentes: saúde, educação, família e sociedade | Foto: Freepik
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