Jorge Mario Bergoglio será lembrado por sua humildade, coragem e pelos gestos que humanizaram o papado.

O mundo perdeu, neste mês, uma das figuras mais marcantes da Igreja Católica no século XXI. O Papa Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio, faleceu na última segunda-feira, 21 de abril, aos 88 anos, encerrando um pontificado que atravessou mais de uma década e redefiniu o papel da Igreja no mundo contemporâneo. Primeiro papa jesuíta e também o primeiro latino-americano a assumir o trono de Pedro, ele desafiou tradições, enfrentou resistências internas e promoveu profundas reformas no modo como a Igreja se relaciona com os fiéis e com a sociedade.
Seu pontificado ficou marcado por uma postura pastoral acolhedora, uma defesa intransigente da dignidade humana e uma incansável busca por diálogo, tanto dentro quanto fora da Igreja. Francisco aproximou-se dos pobres, dos migrantes, das vítimas de abusos e das periferias existenciais do mundo. Ao mesmo tempo, estendeu pontes com outras religiões e lideranças globais, promovendo o respeito mútuo, a justiça social e o cuidado com a Casa Comum, como chamava o planeta.
Francisco morre no Ano Santo de 2025, o Jubileu Peregrinos de Esperança, um período de graça extraordinária promovido pela Igreja Católica, um tempo dedicado à renovação espiritual, à reconciliação e à vivência profunda da misericórdia divina. Este Jubileu foi solenemente inaugurado pelo Papa Francisco em 24 de dezembro de 2024, com a abertura da Porta Santa da Basílica de São Pedro, marcando o início de um período de perdão, cura e esperança para toda a humanidade.
Para o bispo da Diocese de Osório, Dom Jaime Pedro Kohl, o legado deixado por Francisco é como “uma casa com muitas portas e janelas abertas”. Em suas palavras:
“O Papa Francisco abriu o diálogo sobre tudo e com todos. Dispunha-se a escutar desde os simples e pequeninos, solidarizando-se com seus sofrimentos, até as mais altas autoridades religiosas e de governo, sempre em defesa dos valores da dignidade humana, da justiça e da paz. Com ele, cresceu a consciência de que todos somos irmãos, de que a Casa Comum precisa da cooperação de todos para permanecer habitável para as gerações futuras, e de que tudo está interligado.”
Segundo dom Jaime, Francisco mostrou que há lugar para todos na Igreja, “sem julgamentos, mas com o compromisso de viver o Evangelho da alegria e da misericórdia”. E completa:
“Muitas outras portas e janelas se abriram, e muita luz entrou para melhorar as relações internas e externas. Nem sempre compreendido por todos, mas profundamente amado por muitos – tanto dentro como fora da Igreja.”
Com a morte do pontífice, cresce a expectativa sobre o futuro da Igreja e sobre a escolha de seu sucessor. Dom Jaime expressou sua esperança de que o novo Papa dê continuidade ao caminho iniciado por Francisco:
“Espero que as iniciativas inauguradas sejam mantidas, que as janelas abertas não sejam fechadas, e que o caminho sinodal evolua e se consolide em todas as instâncias institucionais. Que o diálogo com o mundo e com as religiões continue sempre visando a construção da paz. Creio que o legado deixado é sólido, e seria triste e desastroso retroceder no caminho já feito. Tenho muita confiança e esperança de que o Espírito Santo, que conduz a Igreja, iluminará os cardeais para eleger aquele que reúna as melhores condições para assumir essa missão tão importante para a Igreja de Jesus Cristo.”
O conclave que definirá o novo pontífice ainda não teve data anunciada oficialmente, mas a escolha deve ocorrer nas próximas semanas. Até lá, a Igreja e milhões de fiéis ao redor do mundo permanecem em oração e luto pela partida de um Papa que se tornou símbolo de empatia, coragem e renovação espiritual.
BIOGRAFIA

Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, nasceu em Buenos Aires, na Argentina. Foi o primeiro papa das Américas e também o primeiro jesuíta a liderar a Igreja Católica. Filho de imigrantes italianos, era o mais velho de cinco irmãos.
Antes de seguir a vida religiosa, formou-se técnico em química. Posteriormente, licenciou-se em filosofia e teologia, atuando como professor de literatura e psicologia. Sua ordenação sacerdotal ocorreu em dezembro de 1969, às vésperas de completar 33 anos.
Ingressou na Companhia de Jesus e, ao longo de sua trajetória, foi nomeado bispo auxiliar de Buenos Aires. Em 2001, foi elevado a cardeal pelo Papa João Paulo II. Como arcebispo da capital argentina, liderou uma diocese com mais de três milhões de fiéis, desenvolvendo um projeto missionário voltado à comunhão, evangelização e cuidado com os pobres e doentes.
Tornou-se Papa em março de 2013, após a renúncia histórica de Bento XVI por motivos de saúde. Dez anos depois, em janeiro de 2023, presidiu o funeral de seu antecessor.
A CORAGEM
Durante seu pontificado, Francisco enfrentou crises internas, escândalos de abusos sexuais e resistência de setores conservadores dentro da Igreja. Ainda assim, não hesitou em tomar decisões difíceis e propor reformas profundas na cúria romana — a istração central da Igreja. Com a criação do Conselho de Cardeais e a reforma da Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, buscou descentralizar o poder e promover maior transparência e eficiência nas decisões do Vaticano.
Além disso, enfrentou com firmeza os casos de abuso sexual cometidos por membros do clero, embora tenha sido criticado por avanços considerados lentos em algumas frentes. Mesmo assim, instaurou medidas para responsabilização de bispos e acolhimento das vítimas.
IGREJA EM SAÍDA

Francisco constantemente defendia uma “Igreja em saída”, capaz de sair de seus muros para encontrar o povo onde ele está. Incentivou o diálogo inter-religioso, promoveu a cultura do encontro e se posicionou com coragem sobre temas sociais e ambientais. Encíclicas como Laudato Si’ (sobre a crise ecológica) e Fratelli Tutti (sobre fraternidade e amizade social) evidenciam seu olhar atento para os desafios do mundo atual.
Também foi um crítico contumaz das desigualdades econômicas, do culto ao dinheiro e da indiferença global diante do sofrimento humano. Francisco falou às periferias do mundo — tanto as geográficas quanto as existenciais — levando uma mensagem de esperança, misericórdia e justiça social.
LIDERANÇA GLOBAL E HUMANA
Durante seus anos de pontificado, Francisco se destacou por sua influência além do mundo religioso. Líderes políticos, sociais e culturais o ouviram com respeito, mesmo aqueles que não compartilhavam sua fé. Em viagens pelo mundo, ele visitou campos de refugiados, lavou os pés de presidiários, dialogou com líderes de outras religiões e falou sobre a importância de acolher migrantes e proteger a casa comum.
A pandemia de COVID-19 também foi um momento marcante de seu pontificado. Em março de 2020, a imagem do Papa rezando sozinho na Praça de São Pedro, sob a chuva, tornou-se símbolo de consolo espiritual e solidariedade universal. Sua postura firme e serena durante a crise reforçou sua imagem de pastor próximo e ível, mesmo em tempos de grande sofrimento coletivo.
FRANCISCO E A SIMPLICIDADE DO AMOR

Entre os gestos mais comoventes de Francisco estavam sua linguagem simples e afetuosa, e sua capacidade de escuta. Em encontros com fiéis, ele muitas vezes improvisava falas, aproximando-se emocionalmente dos que o ouviam. Também insistia em temas como compaixão, perdão e a centralidade do amor cristão. “Quem sou eu para julgar?”, disse em uma resposta histórica sobre homossexuais, sinalizando um novo tom da Igreja sobre temas sensíveis.
Mesmo quando criticado, Francisco nunca respondeu com agressividade. Optava pelo silêncio ou pela reafirmação serena de seus princípios. Essa postura conquistou milhões de católicos — e também não católicos — em todo o mundo.
A MARCA DEIXADA
Embora Francisco não tenha rompido com a tradição doutrinária, introduziu uma nova forma de ser papa: mais próxima do povo, menos centrada em dogmas e mais voltada para o serviço. Suas palavras e atitudes abalaram estruturas, geraram debates e despertaram corações.
Seu legado é múltiplo: uma Igreja em busca de justiça, um papa comprometido com os pobres e com a ecologia, um líder que abraçou a humanidade em suas alegrias e dores. Jorge Mario Bergoglio foi um pastor que caminhou junto ao seu rebanho, e sua morte deixa um vazio imenso entre os que viam nele uma luz de esperança em tempos sombrios.
CONCLAVE
O conclave que elegerá o novo papa ainda não foi oficialmente convocado, mas a expectativa é de que ocorra nas próximas semanas. Trata-se de um processo milenar e sigiloso da Igreja Católica para a escolha de seu novo líder. O termo conclave vem do latim cum clave (“fechado à chave”) e refere-se à votação secreta realizada na Capela Sistina, no Vaticano.
Após nove dias de luto e rituais fúnebres, o Colégio Cardinalício é convocado. Os cardeais se hospedam na Casa Santa Marta — onde Bergoglio viveu como papa — e iniciam reuniões gerais para discutir os desafios da Igreja. A votação ocorre apenas entre os cardeais com menos de 80 anos. Embora o número máximo seja de 120, atualmente há 135 com direito a voto.
No dia do conclave, após missa presidida pelo decano do colégio, os cardeais seguem em procissão à Capela Sistina, onde deixam de ter contato com o mundo externo. A votação é feita em cédulas depositadas em urna. Dois cardeais leem os votos, e um terceiro os pronuncia em voz alta. As cédulas são então queimadas: a fumaça preta indica que não houve escolha; a branca, que um novo papa foi eleito.
A eleição exige maioria de dois terços. Se houver consenso, o eleito é questionado se aceita o cargo e qual nome adotará. O novo pontífice é então anunciado com a tradicional frase habemus papam, seguida de sua primeira bênção ao público na Praça de São Pedro.
BISPOS BRASILEIROS NO CONCLAVE
O Colégio Cardinalício é responsável por auxiliar o camerlengo — interino da Santa Sé — na organização do conclave para a escolha do novo papa. O atual camerlengo, o irlandês Kevin Farrell, foi o responsável por anunciar a morte do Papa Francisco e atuará como chefe de Estado do Vaticano durante o período de transição, que vai dos funerais até o anúncio do novo pontífice. Esse intervalo é conhecido como Sede Vacante, quando a Igreja Católica permanece sem seu líder.
O Brasil conta com oito cardeais no Colégio Cardinalício, sendo cinco nomeados pelo Papa Francisco e três por seu antecessor, Bento XVI. Desses, apenas um não participa da votação: Dom Raymundo Damasceno Assis, arcebispo emérito de Aparecida (SP), que tem 87 anos. Nomeado por Bento XVI, ele participou do conclave que elegeu Francisco em 2013.
Oito cardeais brasileiros participarão do conclave. São eles:

- Dom João Braz de Aviz, 77 anos, arcebispo emérito de Brasília.
- Dom Odilo Scherer, 75 anos, arcebispo de São Paulo.
- Dom Leonardo Ulrich Steiner, 74 anos, arcebispo de Manaus.
- Dom Orani João Tempesta, 74 anos, arcebispo do Rio de Janeiro.
- Dom Sérgio da Rocha, 65 anos, arcebispo de Salvador, primaz do Brasil por liderar a arquidiocese mais antiga do país.
- Dom Jaime Spengler, 64 anos, arcebispo de Porto Alegre e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
- Dom Paulo Cezar Costa, 57 anos, arcebispo de Brasília.