Tento me colocar no lugar de milhares de pessoas que aram e am pela experiência de ver suas casas e seus bens inundados. Algumas pela segunda e até terceira vez num espaço de tempo tão curto. E tento entender o desabafo na expressão “perdemos tudo”. Vejo que é a expressão de quem está vivo e conseguiu preservar a vida. Geralmente agradecido por isto.
No entanto, é inegável que por trás do “perdemos tudo” está também uma experiência de luto. Muitas pessoas repetem que, com as águas, “foi-se à luta de uma vida toda”. E não é difícil de calcular em valores monetários o que se gastou para a aquisição de uma casa e os bens necessários para nela viver com dignidade. E dinheiro significa tempo de vida empenhado para obtê-lo. Não se gasta dinheiro. Gasta-se vida.
É verdade que algumas pessoas transbordam um entendimento mais positivo ao identificar a vida não a partir dos bens materiais, mas a partir de pessoas e experiências. Tornam-se referências para quem precisa recomeçar. No entanto, a maioria experimenta o luto da perda.
Escrevia na semana anterior que tudo isto pode e precisa ser um aprendizado para todos e todas nós. Não apenas para quem vive a experiência. Assim como a solidariedade está sendo um grande aprendizado, será necessário também construir uma cumplicidade com as questões e causas ambientais. Solidariedade com quem defende novas relações com o meio ambiente, a mãe terra.
Precisaremos também reaprender a nos relacionar de outro jeito com aquilo que consumimos e chamamos de bens. E aqui uma pergunta emerge das águas enlameadas: onde de fato apostamos a nossa vida?
Viver é estabelecer relações com esta dimensão concreta e material. Embora alguns consigam viver de um jeito desapegado, não estamos preparados para viver de forma monástica. Precisamos de casas, de carros, móveis e eletrodomésticos. Precisamos de um roupeiro com alternativas de vestimentas. Mas a pergunta que fica é o quanto de vida investimos nisto. E consequentemente, o quanto de tempo investimos com as pessoas, com a saúde física e mental.
A realidade não desejada, embora catastrófica, nos aponta caminhos.